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Fui ser feliz.

Eu te falei que iria, não te falei? Tu ficaste lá fazendo caras e bocas, ironizando para eu descer do carro e acreditando que eu jamais desceria. Até hoje, eu sinto saudade daquelas sandálias que eu deixei junto ao tapete do teu carro importado. Fiz contas de cabeça depois que eu saí a pé de lá e cheguei à conclusão: naquele momento era só o que te importava. Tua mania de achar que tudo era comprável confundiu-se em achar que eu também era uma peça. Até que, no final das contas, me considero uma. Mas não me vendo por pouco. Só aceito à vista! A vista de alguém tocando violão e namorando os meus olhos, colocando minhas meias em dias frios, aliando-se à minha mãe para falar das minhas crises de sonambulismo.
Tu mandaste eu ir me tratar e eu fui. Tratei de viajar, fazer novas amizades, pedalar sem rumo e terminar de ler aquele livro que tu me deste quando as coisas ainda eram boas entre nós. No final da história o namorado da guria morre. Sim. Eu sei que era evidente porque ele tinha câncer e ela também. Mas o mais surpreendente foi eu pensar que eles iriam morrer juntos. Quem morreu foi ele. A guria ficou uns meses apanhando de tamanca da saudade, mas depois voltou a viver novamente, a sorrir com os olhos e sobreviver com as lembranças no bolso. Cheguei até pensar que foi deboche teu me dar aquele livro. John Green escreveu a nossa história por linhas tortas. E sabe o que é pior? A gente havia prometido que nunca nos deixaríamos. Que casaríamos no campo e teríamos um piá chamado Bernardo. Havíamos. Na verdade, eu acho que foi até melhor, sabe? Aquela tua mãe com aqueles incensos loucos, a fumaça do teu cigarro matando os meus pulmões a chineladas e a tua mania irritante de buzinar ininterruptamente após duas horas de atraso em frente à minha casa. Já tive saudade, hoje é só lembrança. Exatamente como o teu rosto fúnebre passando naquele carro que um dia já foi nossa casa. Teu sorriso que um dia foi meu, hoje fica aí, pela noite, tentando encontrar o brilho que um dia tivesse. Somos agora meros desconhecidos que, lá trás, dividiram a mesma escova. Espero que, com o vazio do teu banco carona, tenhas aprendido que o essencial não é a velocidade do deslocamento e sim a intensidade da companhia que torna as viagens mais duradouras. Amor, eu já fui. Tô lá. Tô sendo.

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